A ideia é simples, mas brilhante. Você só enxerga
prós. Porém, a prudência e a necessidade de envolvimento de outros atores dizem
que é preciso começar a divulgar a ideia, verificar se é viável e oportuna,
cooptar parceiros e colocá-la em prática. Você sai a campo perfeitamente
preparado para defender a ideia brilhante.
Uma sobrancelha levemente erguida é o máximo de
atenção que consegue da primeira audiência. Insiste, exemplifica, demonstra,
enquanto um finge que brinca com o celular para discretamente consultar a hora
e outro, desculpando-se, responde “mensagens urgentes”. Talvez uma ou outra
sugestão do tipo “pense melhor”, mas o que ecoa após a apresentação é um
retumbante “não”.
Embora tenham dificuldade em pronunciar a palavra, as
pessoas têm muita facilidade em demonstrar um não. É justamente com esta
facilidade que se cria a 1ª barreira: o não. É um “não” simples, sem
grandes considerações, normalmente expressado de forma não verbal, simplesmente
ignorando o que você diz, virando as costas, mudando de assunto no meio da
explanação, etc.
Característica incutida desde o berço é tremer frente
ao não (não mexa, não suba, não saia, não entre, não faça...), exatamente por
conta disso um número incalculável de boas ideias morre na primeira barreira.
Você, acostumado também desde o berço a ignorar esta palavra, insiste e avança.
Marca outra tentativa. Muitos não vão, alguns cansam de dar os ombros e
resolvem sair para um café ou simplesmente abandonam a conversa perante outro
compromisso “mais importante”. Os que ficam começam a explicar melhor suas
posições: “não dá porque a lei não permite”, “não é possível porque não temos
recursos”, “já tentaram e não deu certo”, etc.
Você então percebe que as pessoas gastam muito mais
tempo e esforço intelectual justificando o “não fazer” do que gastariam para
simplesmente “fazer”. Ou seja, ao invés de prestar atenção à ideia e tentar
colaborar para melhorá-la, acham mais simples encontrar justificativas ou
motivos para inviabilizá-la. Esta é a 2ª barreira: o não, qualificado. Um “não” mais elaborado, com alguma suposta
substância. Via de regra procura escudar-se na legislação, na carência de
recursos financeiros, materiais e/ou de pessoal, em experiências anteriores
fracassadas, etc. O fato é que esta segunda barreira não é transponível somente
com vontade e insistência, afinal se existir mesmo alguma Lei que impeça a
concretização de sua ideia brilhante talvez ela seja brilhantemente impossível
de ser realizada.
Porém, você continua no firme propósito de executar
sua ideia. Pergunta qual é a Lei que deve conhecer e, para sua nem tão grande
surpresa, descobre que a Lei não diz exatamente o que o arauto proclamou. Na
verdade, em uma interpretação óbvia, até mesmo lhe dá plenos subsídios para
realizar a ideia. Com relação a outras “leis” descobre que são simples
resoluções que podem ser mudadas com pouco esforço ou, pior ainda, que
simplesmente não existem. Sobre fracassos anteriores, gasta tempo aprendendo
sobre tais experiências para demonstrar que diferenças de épocas, conceitos,
pessoas, variantes tecnológicas, etc. produzem resultados diferentes. Em
resumo, desprende um tempo enorme para desmontar todas as “qualificações do
não” que foram elaboradas em poucos segundos. Ponto positivo é que durante este
processo a ideia matura e melhora substancialmente.
Você desmonta toda a argumentação até o ponto que
ninguém mais consegue qualificar “o não”. Os interlocutores se olham,
procurando desesperadamente mais alguma desqualificação até que alguém diz algo
como: “muito bom, mas no mês que vem temos o carnaval e depois o Antônio sairá
de férias, vamos voltar a conversar em junho”. Pronto, construída de forma
sólida a 3ª
barreira: a postergação. É uma barreira de
construção bastante simples: basta juntar feriados, somar férias e datas
marcantes como reuniões de conselho, de diretoria, de colegiado, etc.,
acrescentar alguns meses no final que, com sorte, cairão no meio de olimpíadas,
copa do mundo, eleições, etc. e os construtores de barreira conseguirão sem
grande esforço atrasar a discussão sobre a ideia em vários meses ou, se forem
realmente bons e colocarem a componente monetária no meio, em anos.
Outras técnicas simples de construção desta barreira
são marcar e adiar sucessivamente reuniões, trocar continuamente os
interlocutores tornando necessário recomeçar toda a conversa a cada nova
reunião, pedir vistas ao processo (ou algo equivalente) e diversas outras onde
só a criatividade e a vontade de não fazer são limitadores.
É importante ainda ficar atento, pois construtores de
barreiras mais experientes já perceberam que podem começar por esta barreira,
pulando as duas primeiras, e que também podem construir versões com diversos
graus de dificuldade e de diversos tamanhos ao longo do caminho. Estes
construtores recebem prontamente a adesão e o apoio incondicional daqueles que,
sem mais substância, só sabem se expressar com frases como “Mudar? Mas sempre
foi assim”, “Porque inventar moda agora?” ou ainda “Mudar pra que se tá
funcionando”.
Outro fator relevante sobre esta barreira é que ela se
torna mais difícil na medida em que o grau hierárquico de seu construtor for
maior do que o seu. Ou seja, se o chefe do seu chefe mandar postergar ficará
muito difícil para você mudar a agenda dele.
Como seu chefe atual diz que curto prazo é para hoje,
médio e para amanhã e longo é para depois de amanhã, você desmonta as
postergações rapidamente: exclui os que saíram de férias, prepara resumos para
os novos entrantes lerem antes da reunião (problema deles se não leram), monta
calendários sem margem para negociação, não aceita mudanças de agenda (se não
pode vir, inteire-se depois lendo a ata) e, a duras penas, pula mais esta
barreira, mas passa por cima de pessoas e decisões e isso traz alguns desafetos.
A esta altura você conquistou muitos aliados, os
iniciantes e os fracos na arte das barreiras já desistiram e algumas pessoas
começam a pender para o lado da ideia, afinal está começando a dar mais
trabalho não fazer do que fazer e, como a água, estas pessoas procuram sempre o
caminho fácil e menos trabalhoso. O problema são os desafetos que você acabou
de criar. Estes tomam o não fazer como questão pessoal. Fatos e argumentos não
interessam mais. O que é melhor ou pior tampouco interessa. O importante agora
é que você não consiga fazer e todas as armas são válidas.
Estamos diante da 4ª barreira: a sabotagem.
Escrúpulos, ética, moral e outros conceitos ficaram para trás, com os fracos
que desistiram no caminho ou com os traidores que passaram para o lado da
ideia. Os oponentes agora não são mais amadores, são profissionais e farão tudo
de forma que dedos e culpas apontem sempre para você, de preferência da forma
mais avassaladora possível. Denúncias internas e externas, informações
incorretas ou incompletas enviadas a pontos estratégicos (chefia, imprensa,
Ministério Público), que darão margem a ilações e falsas acusações. Esteja
particularmente atento à falsidade dos que estão ao seu lado enquanto for
interessante para conseguir informações. Não se espante quando documentos e
equipamentos sumirem, ordens forem contrapostas e pessoas forem colocadas em
situações constrangedoras. Para os oponentes vale voltar atrás e desdizer o
dito, desfazer o feito e reconstruir as três barreiras anteriores, na maior
quantidade possível de pontos e de forma que produzam o maior dano possível. O
importante agora é minar o campo para que você não consiga avançar.
Seu espírito empreendedor começa a ficar abalado e
você se pergunta se vale a pena lutar tanto pela ideia. Afinal ela não vai
mudar nada para você ela só vai melhorar a vida dos clientes, dos usuários, da
população, ou seja, vai melhorar a vida das pessoas. A chama acende novamente e
você reagrupa os aliados que estavam começando a dispersar. Obviamente perde
mais alguns, mas os que ficam estão fortes e unidos.
É quando você fica sabendo que pessoas que lhe apoiam
são frontalmente ameaçadas e, com medo, cedem. Territórios conquistados são
usurpados na calada da noite. Recados indiretos e diretos através da imprensa e
de denúncias anônimas chovem para dispersar seu foco. Seu chefe, mesmo informado
passo a passo, começa a lhe perguntar o que está acontecendo. Seus pares já não
olham com bons olhos os acontecimentos. Sua família começa a lhe questionar se
vale a pena continuar. Você encontrou a 5ª barreira: a ameaça.
Pois é, você entrou em guerra e tudo será feito para
que você se amedronte e “volte para a casinha”. Não esqueça: moral, ética e
escrúpulos não existem mais para os oponentes. Os que não queriam trabalho ou
problemas já foram embora e sobraram somente aqueles com objetivos escusos por
trás do posicionamento e a eles só estes objetivos importam. Absolutamente tudo
é possível, incluindo atentados contra a sua integridade física.
Você que chegou até aqui, continuaria?
Você que só leu, teria parado em qual barreira?