As cinco barreiras
Até onde você leva a sua ideia?

A ideia é simples, mas brilhante. Você só enxerga prós. Porém, a prudência e a necessidade de envolvimento de outros atores dizem que é preciso começar a divulgar a ideia, verificar se é viável e oportuna, cooptar parceiros e colocá-la em prática. Você sai a campo perfeitamente preparado para defender a ideia brilhante.

Uma sobrancelha levemente erguida é o máximo de atenção que consegue da primeira audiência. Insiste, exemplifica, demonstra, enquanto um finge que brinca com o celular para discretamente consultar a hora e outro, desculpando-se, responde “mensagens urgentes”. Talvez uma ou outra sugestão do tipo “pense melhor”, mas o que ecoa após a apresentação é um retumbante “não”.

Embora tenham dificuldade em pronunciar a palavra, as pessoas têm muita facilidade em demonstrar um não. É justamente com esta facilidade que se cria a 1ª barreira: o não. É um “não” simples, sem grandes considerações, normalmente expressado de forma não verbal, simplesmente ignorando o que você diz, virando as costas, mudando de assunto no meio da explanação, etc.

Característica incutida desde o berço é tremer frente ao não (não mexa, não suba, não saia, não entre, não faça...), exatamente por conta disso um número incalculável de boas ideias morre na primeira barreira. Você, acostumado também desde o berço a ignorar esta palavra, insiste e avança. Marca outra tentativa. Muitos não vão, alguns cansam de dar os ombros e resolvem sair para um café ou simplesmente abandonam a conversa perante outro compromisso “mais importante”. Os que ficam começam a explicar melhor suas posições: “não dá porque a lei não permite”, “não é possível porque não temos recursos”, “já tentaram e não deu certo”, etc.

Você então percebe que as pessoas gastam muito mais tempo e esforço intelectual justificando o “não fazer” do que gastariam para simplesmente “fazer”. Ou seja, ao invés de prestar atenção à ideia e tentar colaborar para melhorá-la, acham mais simples encontrar justificativas ou motivos para inviabilizá-la. Esta é a 2ª barreira: o não, qualificado. Um “não” mais elaborado, com alguma suposta substância. Via de regra procura escudar-se na legislação, na carência de recursos financeiros, materiais e/ou de pessoal, em experiências anteriores fracassadas, etc. O fato é que esta segunda barreira não é transponível somente com vontade e insistência, afinal se existir mesmo alguma Lei que impeça a concretização de sua ideia brilhante talvez ela seja brilhantemente impossível de ser realizada.

Porém, você continua no firme propósito de executar sua ideia. Pergunta qual é a Lei que deve conhecer e, para sua nem tão grande surpresa, descobre que a Lei não diz exatamente o que o arauto proclamou. Na verdade, em uma interpretação óbvia, até mesmo lhe dá plenos subsídios para realizar a ideia. Com relação a outras “leis” descobre que são simples resoluções que podem ser mudadas com pouco esforço ou, pior ainda, que simplesmente não existem. Sobre fracassos anteriores, gasta tempo aprendendo sobre tais experiências para demonstrar que diferenças de épocas, conceitos, pessoas, variantes tecnológicas, etc. produzem resultados diferentes. Em resumo, desprende um tempo enorme para desmontar todas as “qualificações do não” que foram elaboradas em poucos segundos. Ponto positivo é que durante este processo a ideia matura e melhora substancialmente.

Você desmonta toda a argumentação até o ponto que ninguém mais consegue qualificar “o não”. Os interlocutores se olham, procurando desesperadamente mais alguma desqualificação até que alguém diz algo como: “muito bom, mas no mês que vem temos o carnaval e depois o Antônio sairá de férias, vamos voltar a conversar em junho”. Pronto, construída de forma sólida a 3ª barreira: a postergação. É uma barreira de construção bastante simples: basta juntar feriados, somar férias e datas marcantes como reuniões de conselho, de diretoria, de colegiado, etc., acrescentar alguns meses no final que, com sorte, cairão no meio de olimpíadas, copa do mundo, eleições, etc. e os construtores de barreira conseguirão sem grande esforço atrasar a discussão sobre a ideia em vários meses ou, se forem realmente bons e colocarem a componente monetária no meio, em anos.

Outras técnicas simples de construção desta barreira são marcar e adiar sucessivamente reuniões, trocar continuamente os interlocutores tornando necessário recomeçar toda a conversa a cada nova reunião, pedir vistas ao processo (ou algo equivalente) e diversas outras onde só a criatividade e a vontade de não fazer são limitadores.

É importante ainda ficar atento, pois construtores de barreiras mais experientes já perceberam que podem começar por esta barreira, pulando as duas primeiras, e que também podem construir versões com diversos graus de dificuldade e de diversos tamanhos ao longo do caminho. Estes construtores recebem prontamente a adesão e o apoio incondicional daqueles que, sem mais substância, só sabem se expressar com frases como “Mudar? Mas sempre foi assim”, “Porque inventar moda agora?” ou ainda “Mudar pra que se tá funcionando”.

Outro fator relevante sobre esta barreira é que ela se torna mais difícil na medida em que o grau hierárquico de seu construtor for maior do que o seu. Ou seja, se o chefe do seu chefe mandar postergar ficará muito difícil para você mudar a agenda dele.

Como seu chefe atual diz que curto prazo é para hoje, médio e para amanhã e longo é para depois de amanhã, você desmonta as postergações rapidamente: exclui os que saíram de férias, prepara resumos para os novos entrantes lerem antes da reunião (problema deles se não leram), monta calendários sem margem para negociação, não aceita mudanças de agenda (se não pode vir, inteire-se depois lendo a ata) e, a duras penas, pula mais esta barreira, mas passa por cima de pessoas e decisões e isso traz alguns desafetos.

A esta altura você conquistou muitos aliados, os iniciantes e os fracos na arte das barreiras já desistiram e algumas pessoas começam a pender para o lado da ideia, afinal está começando a dar mais trabalho não fazer do que fazer e, como a água, estas pessoas procuram sempre o caminho fácil e menos trabalhoso. O problema são os desafetos que você acabou de criar. Estes tomam o não fazer como questão pessoal. Fatos e argumentos não interessam mais. O que é melhor ou pior tampouco interessa. O importante agora é que você não consiga fazer e todas as armas são válidas.

Estamos diante da 4ª barreira: a sabotagem. Escrúpulos, ética, moral e outros conceitos ficaram para trás, com os fracos que desistiram no caminho ou com os traidores que passaram para o lado da ideia. Os oponentes agora não são mais amadores, são profissionais e farão tudo de forma que dedos e culpas apontem sempre para você, de preferência da forma mais avassaladora possível. Denúncias internas e externas, informações incorretas ou incompletas enviadas a pontos estratégicos (chefia, imprensa, Ministério Público), que darão margem a ilações e falsas acusações. Esteja particularmente atento à falsidade dos que estão ao seu lado enquanto for interessante para conseguir informações. Não se espante quando documentos e equipamentos sumirem, ordens forem contrapostas e pessoas forem colocadas em situações constrangedoras. Para os oponentes vale voltar atrás e desdizer o dito, desfazer o feito e reconstruir as três barreiras anteriores, na maior quantidade possível de pontos e de forma que produzam o maior dano possível. O importante agora é minar o campo para que você não consiga avançar.

Seu espírito empreendedor começa a ficar abalado e você se pergunta se vale a pena lutar tanto pela ideia. Afinal ela não vai mudar nada para você ela só vai melhorar a vida dos clientes, dos usuários, da população, ou seja, vai melhorar a vida das pessoas. A chama acende novamente e você reagrupa os aliados que estavam começando a dispersar. Obviamente perde mais alguns, mas os que ficam estão fortes e unidos.

É quando você fica sabendo que pessoas que lhe apoiam são frontalmente ameaçadas e, com medo, cedem. Territórios conquistados são usurpados na calada da noite. Recados indiretos e diretos através da imprensa e de denúncias anônimas chovem para dispersar seu foco. Seu chefe, mesmo informado passo a passo, começa a lhe perguntar o que está acontecendo. Seus pares já não olham com bons olhos os acontecimentos. Sua família começa a lhe questionar se vale a pena continuar. Você encontrou a 5ª barreira: a ameaça.

Pois é, você entrou em guerra e tudo será feito para que você se amedronte e “volte para a casinha”. Não esqueça: moral, ética e escrúpulos não existem mais para os oponentes. Os que não queriam trabalho ou problemas já foram embora e sobraram somente aqueles com objetivos escusos por trás do posicionamento e a eles só estes objetivos importam. Absolutamente tudo é possível, incluindo atentados contra a sua integridade física.

Você que chegou até aqui, continuaria?

Você que só leu, teria parado em qual barreira?

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