O cidadão e a nova democracia direta
Com uso intensivo e consistente da tecnologia podemos hoje ampliar de maneira impensável há poucos anos a democracia participativa e voltar o foco e atuação dos gestores para o que realmente justifica a existência do poder público: o cidadão.

Fernando Henrique Cardoso cunhou em janeiro de 1997 o termo “voz rouca das ruas” para referenciar o pensamento coletivo da população que chega de forma não direta aos ouvidos dos seus representantes. Antes disso Ulysses Guimarães dizia “o povo nas ruas é a única coisa que mete medo nos políticos”.

Enquanto a voz rouca não ecoava na república e o povo não ia para as ruas, os representantes montaram um modelo que só funciona para atender seus próprios interesses. Porém, o fato é que 20 ou 30 anos depois dessas frases, a tecnologia permite que a voz não seja rouca e que o povo se reúna com muito maior participação. São as redes sociais e os aplicativos de comunicação funcionando, assim como os meios de comunicação que se libertaram das amarras dos grandes grupos e da pequena quantidade de leitores.

Hoje, o que as ruas pedem e a voz brada claramente é o desejo de mudança. Pequenos ajustes ou correções não são mais bem vindas. Grandes mudanças são necessárias. É premente que se redefina o Norte Verdadeiro da gestão pública.

Redefinir o Norte Verdadeiro significa redirecionar totalmente o Foco da Gestão Pública para a cidade e para o cidadão.

Focar na cidade implica em reavaliar o pacto federativo, empoderando os municípios e permitindo que as receitas auferidas sejam efetivamente aplicadas no município, de acordo com as necessidades locais e demandas da população. Novamente neste ponto a Democracia Real pode e será totalmente apoiada pela tecnologia. É perfeitamente possível e já existem diversos casos concretos de consulta à população através da tecnologia que nortearam decisões de grande impacto positivo na vida da cidade e das pessoas. Se o pacto federativo é uma mudança ampla e complexa, a reconstrução do modelo mental de elaboração dos orçamentos municipais é factível e desejável e é por ai que devemos começar.

Neste novo modelo, os governos estaduais e o Governo Federal atuam somente como moderadores e integradores, normatizando e normalizando a atuação municipal ajustando eventuais distorções e realizando ações que integrem os estados e municípios. Ou seja, perdem poder e mando e, por consequência, precisaremos somente de bons gestores nessas esferas e não mais de representantes. Especialmente aqueles que depois de eleitos representam somente a si mesmos. Ou seja, vereadores, deputados e senadores passam a ser completamente dispensáveis na nova versão da democracia direta milenar, na qual a praça pública onde todos se reuniam fisicamente para votar reaparece, agora virtualmente e com o tamanho necessário para agregar toda a população. A médio e longo prazos esvaem-se também os limites municipais, estaduais e federais.

Focar no cidadão significa repensar o governo baseado nas demandas reais do cidadão, ou seja, ir à realidade real para verificar o que é necessário fazer para melhorar a qualidade de vida de cada cidadão, procurar a causa raiz dos problemas e empreender ações que resolvam os problemas reais e tornem realidade concreta os anseios abstratos. Mais uma vez a tecnologia será forte aliada não só no mapeamento dos problemas, mas também como ferramenta metodológica e de apoio à tomada de decisões e, mais importante, de acompanhamento, aconselhamento e decisão da população.

Na gestão municipal a solução será a profissionalização usando compliance e lean. Gestores, incluindo secretários e ministros, não serão cargos políticos que são trocados a cada troca de governante, serão cargos técnicos escolhidos através de processo seletivo a ser aplicado dentro e fora do funcionalismo público, priorizando os próprios quadros, mas eventualmente procurando profissionais no mercado. Estas pessoas terão metas e objetivos e serão diariamente avaliadas, não só por seus gestores, mas também por toda a população (tecnologia novamente) e serão de lá retiradas se não atenderem estas metas e não estiverem alinhadas ao Norte Verdadeiro, respondendo por seus atos e suas omissões. Os cargos políticos serão poucos e responsáveis somente pela implementação dos modelos e da visão estratégica do governante eleito, até que nem esses serão mais necessários.

Em uma gestão enxuta existirão somente três áreas de atenção na Prefeitura (foco!): Cidadão, Infraestrutura e Apoio. “Cidadão” atenderá todas as necessidades diretas, como Saúde, Educação, Assistência Social, Esportes, Cultura, etc. “Infraestrutura” criará e manterá condições para que a primeira área atenda corretamente ao cidadão, assim não será mais necessária uma área que cuide dos prédios dos centros de saúde, outra que cuide das escolas, assim como com segurança, parques, etc., como é no modelo atual, onde se gasta muito, de forma redundante e sem nenhuma convergência. No novo modelo existirá uma única área cujo foco de atuação é manter a infraestrutura funcionando e pronta para atender as demandas. Por fim uma área de apoio, que cuidará dos recursos humanos, compras, logística, etc. novamente eliminando redundâncias, incongruências e inconsistências entre as muitas Secretarias hoje existentes. Tudo interligado, regido a apoiado fortemente pela tecnologia, através da qual o cidadão participará em tempo real das decisões e dos caminhos do governo. As atividades serão continuamente fiscalizadas por toda a população. Quem se dispuser a trabalhar na área pública não terá como se esconder. Ou seja, um modelo que se preocupa em entregar à cidade e ao cidadão o que ele quer e pede.

Em resumo, com uso intensivo e consistente da tecnologia podemos hoje ampliar de maneira impensável há poucos anos a democracia participativa e voltar o foco e atuação dos gestores para o que realmente justifica a existência do poder público: o cidadão.

Para que isso se concretize é imprescindível que partidos e governos se reinventem e repensem também os seus modelos internos de gestão, hierárquicos, engessados e, pior característica, muito distantes da população. Chamar um grupo para de tempos em tempos eleger um grupo menor de representantes e compor uma mesa dirigente que vai reconduzir sempre as mesmas pessoas é replicar tudo aquilo que a população hoje execra na política. Discutir nos bastidores e sem participação da população se o Secretário, Ministro ou Presidente da empresa ou do partido será Fulano ou Sicrano só afasta ainda mais os já poucos que ainda acreditam na mudança. A população toda tem que participar diretamente e, novamente, isso pode ser feito e já é feito em outros locais usando intensivamente a tecnologia.

O cidadão exige ser parte ativa mais importante da gestão pública.

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